Black Mirror retorna às origens com distopias tecnológicas na 7ª temporada

A nova temporada da série antológica “Black Mirror” marca um retorno ao seu núcleo mais sombrio: a crítica social embalada em distopias tecnológicas. Em seus melhores momentos, a sétima temporada consegue provocar aquele arrepio inquietante, típico dos episódios mais marcantes da produção britânica.

Logo no episódio de estreia, intitulado “Pessoas Comuns”, o espectador é lançado em um pesadelo realista. Amanda, uma professora, entra em coma após descobrir um tumor cerebral. Seu marido, Mike, recorre a uma empresa de tecnologia de ponta que oferece uma solução extrema: a inserção de um implante cerebral que simula uma vida normal para Amanda. Porém, essa “normalidade” tem um custo alto – não apenas financeiro. O episódio se transforma rapidamente em uma crítica feroz aos sistemas de saúde dominados pela lógica do lucro, onde até a dignidade humana se torna um luxo que poucos podem pagar. É uma reflexão assustadoramente próxima da realidade, moldada com a precisão característica de “Black Mirror”.

Na segunda história da temporada, o clima de inquietação persiste. Maria, desenvolvedora de produtos em uma empresa de chocolates, reencontra Verity, uma antiga colega de escola que antes era excluída e obcecada por computadores. Agora, Verity aparece completamente transformada, carismática e admirada por todos. Apenas Maria sente que algo está errado. A trama aborda com precisão o fenômeno do “gaslighting” – quando alguém é levado a duvidar de sua própria percepção da realidade –, um terror psicológico que leva à perda de controle sobre si mesmo. O episódio é denso, desconcertante e traz à tona o medo mais íntimo: o de não poder confiar nem na própria mente.

Esses dois episódios ecoam o espírito das primeiras temporadas criadas por Charlie Brooker, em que tecnologias como redes sociais, inteligência artificial e mundos virtuais eram retratados como possíveis catalisadores de colapsos sociais. Com a entrada da série para o catálogo da Netflix em 2016, os episódios passaram a incluir também elementos de nostalgia, humor sombrio e até certa melancolia. A sexta temporada, por exemplo, explorou o horror sobrenatural, afastando-se do foco exclusivo na tecnologia – uma mudança que dividiu os fãs.

Já na sétima temporada, a série retoma suas raízes. As seis novas histórias mesclam críticas sociais afiadas com distopias tecnológicas plausíveis, mas nem todas mantêm o mesmo nível de intensidade. Algumas passagens carecem de ritmo narrativo, especialmente os episódios mais longos.

“Hotel Reverie”, uma das histórias mais ambiciosas, ilustra isso. A trama gira em torno de um estúdio de cinema que utiliza tecnologia digital para inserir uma atriz contemporânea em cenas de um romance dos anos 1940. Em tempos de apresentações com hologramas e avanços rápidos da inteligência artificial em vídeos, o enredo parece promissor. No entanto, a execução deixa a desejar. Apesar de levantar questões válidas sobre a manipulação da imagem e os limites da ficção, o episódio carece de impacto emocional e não consegue prender o público como se esperaria.

Ainda assim, a temporada é, no geral, uma bem-vinda retomada da essência de “Black Mirror”. Em tempos em que a realidade frequentemente parece ultrapassar a ficção, a série continua sendo um espelho perturbador que reflete nossos medos mais modernos – principalmente aquele de que o futuro já chegou, e talvez ele não seja tão brilhante quanto imaginávamos.